quarta-feira, 23 de julho de 2008

Livros




"O mais notável, porém, era que eles ficavam felizes nos Estados Unidos. Meninos que tinha sido magros como um lápis, melancólicos, deprimidos, calados e tímidos tornavam-se confiantes, fortes, tagarelas e felizes. Como é que um país podia modificar a personalidade inerente a uma pessoa?, intrigou-se Tehmina. Essa história de Constituição deles, da qual costumávamos zombar na Índia - a busca da felicidade, ou coisa assim - , talvez a iclusão de uma idéia tão absurda na Constituição realmente fizesse alguma coisa pelas pessoas. Quem sabe lhes dava a liberdade de achar que elas eram dignas da felicidade, que serem felizes era algo pelo qual não tinham que pedir desculpas nem se sentir culpadas. Tehmina lembrou-se de todos os limites rigorosos impostos por sua mãe: a mulher não devia se olhar no espelho, para que os outros não a julgassem fútil; nunca devia reclamar de nada em sua vida, porque havia milhões de pessoas em pior situação; devia cobrir a boca ao rir, porque, de outro modo, os homens a considerariam promíscua; devia contentar-se com o que Deus lhe desse, porque esse era o seu destino; nunca devia comer na rua, para não despertar a atenção e a inveja dos famintos a seu redor; nunca devia gabar-se de ter dinheiro, para não provocar inveja nos vizinhos. Graças à postura generosa e aos horizontes largos de Rustom, ela mesma se afastara e muitas desses crenças. Mesmo assim, era verdade: nunca se sentira tão livre em Bombaim como se sentia naquele outro continente. O simples ato de tomar um sorvete de casquinha na rua, sem ser seguida pelos olhos esfaimados de uma centena de crianças, era uma liberdade, um luxo que ela nunca havia experimentado nas ruas de Bombaim. Nos Estados Unidos, ela nunca se sentira olhada com cobiça por rapazes sedentos de sexo, não ficava constrangida com seus seios, não vivia aflitivamente cônscia de seu corpo de mulher, não andava com a postura tensa e resguardada que lhe era costumeira em sua terra. E, embora isso fosse difícil, vinha se obrigando a se olhar no espelho, ao correr a mão pelo cabelo num banheiro público. Admirava-se com o modo como as norte-americanas passavam longos minutos se olhando no espelho, arrumando o cabelo, passando a maquiagem. Uma vez, num banheiro pública de Hunan Village, ela até vira uma moça jogar um beijinho para sua própria imagem refletida. Obviamente, a mãe dela não a havia alertado para os pecados da vaidade e do orgulho!"


"Uma das poucas coisas e, talvez, a única que eu soubesse ao certo era esta: que me chamava Mattia Pascal. E dela me aproveitava. Todas as vezes que algum dos meus amigos ou conhecidos dava provas de ter perdido o juízo, a ponto de vir ter comigo em busca de conselhos ou sugestões, eu encolhia os ombros e respondia:


- Eu me chamo Mattia Pascal."


[marcador de páginas by Tamar]

Um comentário:

Marcelo disse...

Abri o livro, e a primeira frase que li foi essa: "A qual deixo meu manuscrito, com a obrigação, no entanto, de que ninguém possa abri-lo senão cinqüenta anos depois da minha terceira e definitiva morte."

Mattia Pascal é legal, tem até um filme.