"Algumas pessoas parecem estar sempre em cima de um palco. Não conversam: dão discurso. Não relaxam o corpo, estão sempre em riste. O volume da voz é mais alto do que o normal, para que sejam ouvidas por quem está lá atrás. Quando perguntadas sobre algum assunto, dão a impressão de que estão respondendo a uma entrvista, e não entabulando uma conversa informal. Elas não vivem: atuam. Fico me perguntando: quando é que tiram férias do personagem? Será que choram, às vezes? Em que momento cerram as cortinas desse espetáculo diário? Talvez apaguem a luz.
Lembrei-me dessas pessoas quando assisti ao excelente documentário sobre a fotógrafa Annie Leibovitz, da qual também tive o privilégio de, recentemente, ver uma exposição que reúne um acervo que cobre todas as etapas da sua carreira. Nos anos 80, ela foi a principal fotógrafa da revista 'Rolling Stone', fazendo retratos que entraram para a História, como a pose de John Lennon, nu, abraçado ao corpo de Yoko Ono, justo na manhã do dia em que seria assassinado. Depois disso, Annie seguiu ganhando projeção, trabalhando para a prestigiada 'Vanity Fair'. É considerada uma das maiores retratistas de celebridades do final do século XX e início deste, além de ter feito inúmeros registros de sua família e de sua companheira de muitos anos, a escritora Susan Sontag, já falecida.
Annie não tem nada contra produzir uma foto, pelo contrário. Adora um cenário, e quando mais surreal, melhor. Com o tempo tornou-se uma espécie de Salvador Dalí da fotografia. Reúne elefantes, banda de música, ninfas, guindastes, aviões e camelos para fazer uma única foto de George Clooney ou Nicole Kidman, como se eles precisassem desse aparato todo. Não precisam, mas a foto precisa, ou não teria o copyright Leibovitz.
Porém, antes da fase das superproduções, ela arrebatou o mundo com fotos jornalísticas dos Rolling Stones - agora estou falando da banda, não da revista - onde conseguiu flagrantes inacreditáveis dos músicos, em especial Mick Jagger. Como ela conseguiu desenvolver a técnica de, ao contrário do que veio a fazer depois, eliminar totalmente a pose e captar apenas a alma do fotografado, nua, ali diante da câmera?
Ela explica, no documentário, que para isso é preciso torna-se invisível. No caso dos Stones, insistiu em acompanhá-los numa excursão. Eles toparam, mas não se sentiam à vontade com ela por perto, e por isso ela passou a clicar. Ela estava tão integrada ao ambiente - quartos de hotel, bares, camarins - que ninguém mais a via, e foi então que os registrou como se eles estivessem a sós, sem ninguém olhando.
Está aí por que é tão difícil enxergar a alma de quem se acredita um megastar. Nossos olhos são como lentes para esse tipo de pessoa. Eles não se sentem a salvo em nossa presença e nem na de ninguém. E não se entregam.
Uma pena. Ficarão para sempre sem o registro da alma."
Martha Medeiros, coluna Ela Disse, Revista O Globo
Um comentário:
gosto da Leibovitsky desde sempre....
sempre bisbilhotei o mundo fotografico dela....
e nao sabia que ela tinha sido a companheira da Sointag, por isso eu
penso
vivendo e aprendendo....
Postar um comentário